Em tempos de mensalões envolvendo vários partidos (PT, PSDB, PTB etc.), alguns como pagadores, outros como receptores, vale a pena uma reflexão de toda sociedade pensante, tendo como base noções elementares de política e de Ética.
A política está no plano do ser (do que é). A Ética mora no plano do dever ser (como as coisas deveriam ser). Fazer política (no bom sentido) é, por exemplo, ir para as ruas e protestar civilizadamente contra as injustiças sociais e individuais. Fazer política no mal sentido é, por exemplo, usar o cargo público para “roubar” o dinheiro de todos.
A Ética diz: não se comprometa com o erro, com o desvio, com o malfeito, com o tratamento desumano das pessoas. Em suma: não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você! Todos nós, que admiramos a Ética e os valores republicanos, gostaríamos que a política seguisse os princípios éticos citados. A desgraça é que, na prática, isso não acontece. Não existe coerência entre a teoria e a prática.
Quem explicou tudo isso há 500 anos? Maquiavel. Ele disse que (a política) não é (ou nem sempre é) assim (em O Príncipe). O traço mais característico da política (diz Maquiavel) consiste na sua radical autonomia frente à ética e à religião. Entre o “ser” e o “dever ser”, o realismo político (Realpolitik) faz uma clara opção pelo “ser” (pelo que é).
Quando coincide a prática com a Ética, tudo bem. Se não coincide, fica valendo o realismo político (porque está em jogo o poder, que deve ser conquistado, mantido e expandido, muitas vezes a qualquer preço, fazendo “o diabo”, se o caso).
Ocorre que o exercício do poder, quando não é feito em nome dos interesses da nação, sim, dos ganhos privados ou partidários, entra em rota de colisão com a Ética. Um exemplo: quando Lula, para facilitar sua governança, forjou consenso com Sarney para livrá-lo da cassação no Senado (Marcos Nobre, Valor Econômico de 18.06.13, p. A8), pisoteou na Ética.
Pode não parecer, mas isso vai minando as ligas de coesão da sociedade; vem daí um sentimento de revolta e de impotência, que costuma desaguar em manifestações populares. Enquanto a política não se adequar à Ética e enquanto a economia não se subordinar a uma política ética, de justiça social, o planeta terá pouca chance de evolução sustentável e de convivência pacífica (lá na Declaração de Filadélfia, de 1944, já estava escrito: “A pobreza, em qualquer lugar, constitui um perigo para a prosperidade de todos”).
A podridão da política, de qualquer modo, não pode nos contaminar. As parábolas são sempre fontes de reflexão. São narrativas breves que explicitam ocorrências da cultura de um povo, que nos levam a raciocinar sobre questões morais, às vezes muito complexas. Conta-se (cf. Alexandre Rangel, As mais belas parábolas de todos os tempos) que um velho mestre vivia com seus discípulos em um templo muito arruinado. Viviam de esmolas e doações. Num determinado dia o mestre disse para seus discípulos: “Cada um de vocês devem ir à cidade e roubar bens que serão vendidos e, assim, arrecadaremos dinheiro para reformar nosso templo. Vocês não podem ser vistos por ninguém”. Os discípulos ficaram espantados, pensaram no quanto isso poderia manchar suas reputações. Foram orientados para praticar atos ilegais e imorais. Roubar é uma coisa muito errada! A causa é boa, mas o ato é extremamente imoral. No final, todos foram para a cidade, menos um deles. O mestre perguntou:
– Por que você ficou para trás?
O discípulo respondeu:
– Eu não posso seguir as suas instruções para roubar onde ninguém esteja me vendo. Não importa aonde eu vá; sempre estarei olhando para mim mesmo. Meus próprios olhos irão me ver roubando”.
O sábio mestre o abraçou e disse: “Eu estava testando a integridade dos meus discípulos e você é o único que foi aprovado”. Avante Brasil!
Luiz Flávio Gomes, jurista e coeditor do portal Atualidades do Direito.