Haverá coragem para modificação da poupança?

Mesmo após o desastroso bloqueio imposto por Fernando Collor de Mello em 1990, que levou milhares de brasileiros ao desespero, a poupança conseguiu recuperar seu prestígio como instrumento de acúmulo de reserva financeira para milhões de brasileiros, incluindo aposentados que ao longo da vida profissional construíram reservas para a velhice. Houve uma promessa tácita dos sucessores de Zélia Cardoso de Mello, a ministra de Collor que operou o bloqueio, de que jamais ocorreria nova mudança de regras.

Há 19 anos, o pretexto foi o combate à inflação. Collor jamais conseguiu tirar essa "mancha" de sua carreira política e recentemente disse que, "querendo fazer os ajustes de forma rápida, equivoquei-me. Certamente, eu não teria adotado um programa econômico que causasse tanto desassossego. Se tivesse outra chance, não teria bloqueado a poupança de pessoas físicas e jurídicas".

Hoje o pretexto para novas modificações na rentabilidade das poupanças é a queda nos juros. Investidores milionários e bancos que sempre se locupletaram das altas taxas de juros pagas pelo governo aos compradores de títulos públicos – a principal fonte de recursos para a rolagem de uma dívida pública de R$ 1,4 trilhão -, agora veem seus ganhos minguar diante da redução da Selic para 10,25%. Nova queda da taxa na próxima reunião do Copom deixará a poupança mais lucrativa do que os títulos e outras aplicações.

Os técnicos da área econômica procuram saídas. O que se espera é que sejam criativos o bastante para não prejudicar quem sempre apostou na poupança, por sua liquidez e segurança, para realizar seus sonhos. Ninguém se preocupou com os ganhos dos poupadores – a poupança sempre rendeu menos que outras aplicações nos últimos anos – quando os altos juros permitiam lucros exorbitantes ao andar de cima.

Quem mantém suas reservas na poupança são, em geral, pessoas simples. São pais que querem deixar recursos para o filho pagar sua faculdade; são casais que sonham em acumular uma entrada razoável para a compra da própria casa ou apartamento; são jovens que tentam formar um patrimônio para iniciar um negócio próprio; são avós que pensam nos netos; e são, acima de tudo, aposentados que passaram a vida fazendo economia para ter uma renda garantida como complemento da aposentadoria.

Pois bem, são os aposentados que, nesse momento, estão entre os que mais temem uma mudança nas regras. Tomemos como exemplo um idoso de 65 anos. Ao longo da vida ele conseguiu poupar em torno de R$ 100 mil, o que garante um rendimento aproximado de R$ 600 ao mês. É pouco, mas complementa a aposentadoria. O mesmo vale para outros poupadores ou mesmo para aquela viúva que mantém sua herança em poupança (há casos em que o valor ultrapassa os R$ 200 mil) para não dar trabalho a filhos e netos.

Que os técnicos pensem muito antes de reduzir os ganhos de quem tanto se empenhou para formar um patrimônio, justamente para não depender de dinheiro público para novas modificações na rentabilidade das poupanças.

*Milton Dallari é conselheiro da Associação dos Aposentados da Fundação Cesp e diretor administrativo e financeiro do Sebrae-SP. 

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