Embargos infringentes: O melhor direito

por Luiz Flávio Gomes

O Supremo Tribunal Federal deve decidir no dia 14.08.13 se cabem ou não embargos infringentes contra as decisões do próprio tribunal no caso mensalão. Entra em pauta o Agravo apresentado pela defesa do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, condenado a oito anos e 11 meses de prisão pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha na Ação Penal 470. De acordo com meu ponto de vista, sim, tais embargos são cabíveis. Consoante o Conjur (R. Haidar), “além do Agravo de Delúbio, estão na pauta outros três processos (dois Agravos e um Embargo de Declaração) que também atacam as decisões tomadas na ação. Em um deles, a defesa do ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP) sustenta que não são sequer necessários quatro votos divergentes na condenação para que sejam admitidos Embargos Infringentes. Em maio, o ministro Joaquim Barbosa rejeitou os Embargos Infringentes interpostos pela defesa de Delúbio. Segundo ele, o recurso é ilegal porque não é previsto no ordenamento jurídico. O Regimento Interno do Supremo prevê a possibilidade de a defesa ingressar com Embargos Infringentes. O texto fixa, em seu artigo 333, que “cabem Embargos Infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma: I – que julgar procedente a ação penal. (…). Parágrafo único – O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta”.

O caso mensalão, como sabemos, está na fase recursal. Todos os réus condenados apresentaram embargos de declaração. É possível que alguns já consigam algum tipo de benefício com esses embargos (redução de pena, por exemplo). Por quê? Porque os advogados alegam, por exemplo, que houve aplicação de lei nova mais desfavorável (e isso é proibido no direito penal). Também a questão da perda do mandato será objeto de debate nos embargos de declaração (se o STF aceitar a discussão, o tema será debatido, com boas perspectivas para os réus parlamentares, porque a Corte, no caso de Ivo Cassol, passou a entender que a competência para decretar a perda do mandado é do Parlamento, não do STF).

Mas a polêmica maior reside, evidentemente, nos embargos infringentes (previstos no art. 333 do Regimento Interno do STF), porque eles viabilizam a rediscussão da causa, consoante os limites dos votos vencidos (reanálise fática, probatória e jurídica). E serão julgados com a presença de dois novos ministros (Teori Zavascki e L. R. Barroso).

São cabíveis os embargos infringentes no STF? De acordo com a minha opinião, não há dúvida que tais embargos (infringentes) são cabíveis naquelas situações (são catorze, no total) em que os réus foram condenados, mas contaram com 4 votos favoráveis (Delúbio, José Dirceu, João Paulo etc. estão nessa situação). Dois são os fundamentos (consoante meu ponto de vista): (a) com os embargos infringentes cumpre-se o duplo grau de jurisdição garantido tanto pela Convenção Americana dos Direitos Humanos (art. 8º, 2, “h”) bem como pela jurisprudência da Corte Interamericana (Caso Barreto Leiva); (b) existe séria controvérsia sobre se tais embargos foram ou não revogados pela Lei 8.038/90. Sempre que não exista consenso sobre a revogação ou não de um direito, cabe interpretar o ordenamento jurídico de forma mais favorável ao réu, que tem, nessa circunstância, direito ao melhor direito.

Haveria um terceiro argumento para a admissão dos embargos infringentes? Sim. A esses dois fundamentos cabe ainda agregar um terceiro: vedação de retrocesso. Se de 1988 (data da Constituição) até 1990 (data da lei 8.038) existiu, sem questionamento, o recurso dos embargos infringentes (art. 333 do RISTF), cabe concluir que a nova lei, ainda que fosse explícita sobre essa revogação (o que não aconteceu), não poderia ter valor, porque implicaria retrocesso nos direitos fundamentais do condenado. De se observar que tais embargos, no caso de condenação originária no STF, cumprem o papel do duplo grau de jurisdição, assegurado pelo sistema interamericano de direitos humanos. Pelos três fundamentos expostos, minha opinião é no sentido de que o Min. Joaquim Barbosa (que já rejeitou os embargos infringentes de Delúbio), mais uma vez, não está na companhia do melhor direito. O tema vai passar pelo Plenário. Se Joaquim Barbosa sair derrotado, vai preponderar o pensamento do Min. Celso de Mello, que já se manifestou no sentido do cabimento dos embargos infringentes, invocando parte dos argumentos acima recordados.

Luiz Flávio Gomes, jurista e coeditor do portal atualidades do direito.com.br
ai/UNO

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