Há algum tempo, a decisão de tratar a enxaqueca era fundamentada basicamente pelo critério Qualidade de Vida. Entretanto, nos últimos anos, graças aos avanços de técnicas de imagem cerebral, conhecemos cada vez mais sobre as repercussões funcionais e estruturais das crises de enxaqueca sobre o cérebro, o que nos deixa claro que tratar a enxaqueca é, antes de tudo, uma questão de proteção cerebral.
A última edição do periódico britânico Cephalalgia publicou uma pesquisa que confirma estudos anteriores que mostraram que pessoas que sofrem de enxaqueca apresentam depósito de ferro no tronco cerebral, e dessa vez mostrou que isso também acontece em núcleos da base, sendo que todas essas regiões fazem parte de circuitos de modulação da dor. Chama muito a atenção o fato do depósito de ferro ter sido maior em pessoas que sofriam de enxaqueca há mais tempo, sugerindo que quanto mais freqüentes as crises de enxaqueca, maior o depósito de ferro.
Esse é um achado que pode ajudar a explicar a razão pela qual 10 a 20% das pessoas com enxaqueca passam a ter a forma crônica da doença, com crises praticamente diárias. Alterações estruturais do cérebro decorrentes de repetidas crises poderia justificar o comportamento progressivo da doença nesses casos.
Além de depósitos de ferro, já sabemos que freqüentes crises de enxaqueca podem provocar:
* Ativação recorrente de centros cerebrais profundos, que podem levar a sintomas como a alteração da sensibilidade e a alterações estruturais do tronco cerebral;
* Redução da substância cinzenta de algumas regiões cerebrais;
* Lesões da substância branca cerebral;
* Aumento do risco de derrame cerebral e infarto do coração (no caso da enxaqueca com aura).
Tanto a população leiga, e mesmo os profissionais da área da saúde, ainda têm a falsa crença de que a enxaqueca é um problema menor. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a enxaqueca como um problema de saúde pública de alta prioridade e a classifica como uma das 20 doenças que mais provocam incapacidade, lado a lado com o derrame cerebral, a AIDS e o diabetes. No caso das mulheres, ela é a 12ª no ranking da OMS. O custo da enxaqueca à sociedade vai muito além das questões orgânicas acima discutidas, mas envolve sérios prejuízos de ordem emocional, social e econômica.
Dr. Ricardo Teixeira é Doutor em Neurologia pela Unicamp. Atualmente, dirige o Instituto do Cérebro de Brasília (ICB) e dedica-se ao jornalismo científico.