São Paulo – Número de casos da doença cresceu cerca de 30% na faixa etária abaixo de 40 anos
Em época de eleições, pesquisas e estatísticas entram na moda, mas quando se fala em saúde pública elas passam quase despercebidas, apesar de alarmantes. Um exemplo é o aumento do número de casos de câncer bucal em pacientes com menos de 40 anos de idade, que na última década aumentou em 30% na Europa e nos últimos 20 anos subiu 50% em todo o mundo. No Brasil não foi diferente. De acordo com o Instituto do Câncer, o câncer oral é a terceira doença que mais mata homens no Brasil, e a sétima causa de falecimento entre as mulheres. Diante desse avanço da doença, que antes atingia basicamente homens na faixa dos 60 anos com histórico de tabaco e álcool, o papel do cirurgião-dentista vai além de corrigir as técnicas de escovação. “Para não levar à morte, o câncer bucal deve ser diagnosticado e tratado em seu estado inicial. O ritmo de vida dos jovens e as raras visitas ao dentista levam ao atraso do diagnóstico. Por isso, é importante que o profissional saiba conquistar a confiança do paciente, já que um grande número de pessoas não assume, por exemplo, o alcoolismo, uma informação importante”, afirma a Dra. Amanda Davanço, Cirugiã Dentista, pós-graduada em Cirurgia Oral e especialista em odontogeriatria.
A ausência de cultura de prevenção é um desafio geral. Um a cada cinco brasileiros nunca foi ao dentista (dados da Organização Mundial de Saúde) e 97% da população brasileira têm cárie. Por outro lado, faltam profissionais e orientação adequada para que eles atuem com mais eficácia. No caso específico do alcoolismo, pesquisa recente revelou que apenas 13,5% dos dentistas se sentem capazes de instruir o paciente a fim de diminuir o consumo e, assim, evitar risco de desenvolver câncer bucal. Por isso, segundo a Dra. Amanda, é hora de acionar os alarmes, em toda a sociedade, no que diz respeito à prevenção. “A maioria das lesões, cerca de 80%, é reconhecida somente no estágio avançado, pois a dor só aparece em uma fase tardia, por isso o autoexame e as visitas periódicas ao dentista são essenciais”.
O autoexame deve ser realizado ao menos duas vezes no ano, em um local bem iluminado e diante do espelho. Após remover próteses (se houverem) e realizar uma boa higienização, a boca deve ser investigada a fim de verificar presença de manchas esbranquiçadas, caroços, áreas dormentes, úlceras ou manchas arroxeadas, independente de forma, tamanho ou dor. Anormalidades como pintas atípicas ou feridas devem ser observadas também nos lábios e na pele de rosto e pescoço.
Além dos riscos de beber e fumar em excesso, que vitimaram recentemente o ator americano Michael Douglas (ele mesmo admitiu) com um câncer na garganta, vale ressaltar que a alta exposição solar também aumenta as chances da doença se desenvolver, principalmente no lábio inferior. Mas os comportamentos de risco começam até mesmo pela má escovação. Fora o risco de uma simples cárie desencadear o câncer bucal, não é exagero dizer que não escovar os dentes pode matar do coração. Isso porque o sangue que passa pela boca é o mesmo que chega ao órgão vital. Infecções de origem dentária estão entre as principais causas da endocardite infecciosa (problema nas válvulas cardíacas), que representam 40% dos pacientes que chegam ao Instituto do Coração, sendo que 20% destes vão a óbito.
É preciso também ficar atento ao caso de prótese mal adaptada ou a uma restauração fraturada, que podem provocar uma ferida cancerígena na língua. “Tudo isso são possibilidades que a maioria das pessoas não gosta de cogitar, mas é bom que sejam trazidas à tona em face do atual avanço da doença”, observa Dra. Amanda, que ainda salienta: “É essencial orientar quanto ao uso do fumo e do álcool, higiene satisfatória, exposição solar, necessidade de autoexame e diagnosticar precocemente. Mas mais do que isso, é preciso que haja mobilização dos cirurgiões dentistas para uma campanha de educação a respeito do câncer bucal, no sentido de se desenvolver uma atitude mais positiva com relação a este assunto”, enfatiza a responsável pelo Atendimento Odontológico do Ambulatório do Envelhecimento Bem Sucedido do instituto de geriatria e gerontologia da UNIFESP, que faz um último apelo aos jovens. “Mesmo que tenha medo da notícia, pense que quanto antes for feita a descoberta, mais tempo terá para vencer a doença”.
ai/4horas