Economias de mercado como a brasileira aprendem a conviver – e até a lucrar – com as várias formas de crises quando o Estado é omisso, ineficaz e, por vezes, corrupto. Da lista infindável de exemplos, pode-se pinçar a crise da criminalidade a níveis quase epidêmicos, que quando o alvo é o mundo corporativo quem paga a conta é o cidadão comum.
Do excesso de vigilantes patrimoniais às escoltas armadas dos caminhões nas estradas, da parafernália eletrônica ao segurança informal na porta do restaurante, do risco pago às seguradoras ao “pedágio” cobrado dos pequenos comerciantes pelas quadrilhas de bairros, as empresas aprenderam a conviver com o problema. Medidas de administração de um variado sistema de segurança privado, cuja estimativa global de custos é praticamente impossível de ser mensurada, mas que certamente vai para o preço vai para o produto ou serviço.
Considera-se parte do “custo Brasil”, aquele conjunto de gargalos que afeta a competitividade, mas já não se deve falar mais nem em prejuízo e nem em quanto as empresas deixam de ganhar. Simplesmente é mais um custo operacional da planilha que é repassado.
No Estado que arrecada como país rico – terceira ou quarta maior carga tributária do mundo, correspondente a 36,27% do Produto Interno Bruto – e devolve para a sociedade alguns serviços de níveis africanos, a coisa beira o conformismo por parte dos agentes econômicos. Sem segurança pública, cada um que cuide de si.
“As empresas sabem que precisam da prevenção privada e até onde sabemos não se tem notícias de investimentos que deixaram de ser feitos por conta desse clima de insegurança que vivemos”. Infelizmente ou felizmente, a situação está incorporada à paisagem, segundo se depreende da afirmação do assessor de segurança da Associação Nacional do Transporte de Carga e Logística (NTC), Paulo Roberto de Souza.
Nesse setor logístico, os números são expressivos. A entidade calcula que atualmente os gastos das transportadoras com segurança incidem entre 12 a 15% do faturamento, saltando de 3% há 20 anos. País de tamanho continental, que se movimenta sobre rodas – ante uma malha ferroviária risível – e com centros urbanos populosos e perigosos, são cerca de 1,5 milhão de veículos de cargas.
Em 2011, Souza recorda que as empresas contratantes das cargas tiveram um prejuízo de R$ 920 milhões com roubos, sendo 53% de participação do estado de São Paulo. Nesse mesmo ano, foram cerca de 13 mil ocorrências no Brasil. Em São Paulo, que havia sentido uma queda dos assaltos a caminhões de transporte em 2011 sobre 2010, viu subir o índice o ano passado em 5,7%, totalizando 7,3 mil casos, segundo o executivo da NTC e também do sindicato paulista da categoria.
De modo geral, as indústrias, o comércio e as empresas de serviços não gostam de abordar o tema. Mesmo as principais entidades empresariais, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), alegando que não possuem dados sobre os custos médios do setor com segurança privada.
A Febraban, que reúne os bancos brasileiros, é a única que abre seus números com prevenção, talvez porque a segurança é algo inerente e notório no negócio bancário.
Em 2012, foram R$ 10 bilhões as despesas com vigilantes e sistemas eletrônicos, três vezes mais que há 10 anos. Naturalmente que a expansão da rede bancária cresceu exponencialmente para cerca de 35 mil agências, mas os assaltos recuaram para 422 em 2011, contra 1.903 no ano 2000. Em compensação, houve um aumento expressivo nos arrombamentos dos terminais eletrônicos espalhados pelo país – 182 mil, sendo 50 mil fora das agências, segundo relatório de 2011 – reconhece a Febraban, porém sem divulgar os números de ocorrências.
Enquanto a sociedade vai pagando essa conta, o lado positivo do capitalismo – seria cômico se não fosse trágico – é que há muita gente faturando com a insegurança pública. Em relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA), Segurança Cidadã das Américas em 2012, divulgado nos últimos dias, apontou o Brasil como tendo 4,9 seguranças privados para cada policial. Só perde nas três Américas para a minúscula e pobre Guatemala, com 6,7.
Dados da Associação Brasileira das Empresas de Vigilância (Abrevis) e da congênere paulista (Sesvesp), mostram um faturamento anual de R$ 16 bilhões, crescendo a taxas de 7 a 10% ao ano. Juntas, as aproximadamente 2,5 mil empresas ofertam no mercado um exército de quase 550 mil homens, com algo como 240 mil armas de fogo.
É pouco? É muito? Depende do observador. Se for visto pelo lado, por exemplo das ocorrências policiais ainda em alta nas estradas, como relatado acima pela NTC, ainda é pouco. Se olharmos ainda a quantidade de seguranças contratados na informalidade, um outro exército paralelo formado basicamente por policiais nas suas horas de folga, a coisa toma uma proporção descomunal.
Numa outra ponta do sistema de contingenciamento contra a criminalidade, as empresas produtoras e instaladoras de sistemas de segurança eletrônico também vão muito bem. Em 2012, a Abese, entidade setorial, imagina um crescimento de 11% no faturamento, mesma taxa de 2011.
O retrato curioso é que 50% do negócio é contratado pelas micros e pequenas empresas. Justamente aquelas que têm um poder muito menor de barganha no mercado, com uma concorrência pulverizada, e, portanto, com pouca margem para repassar para os seus consumidores.
Lorenzon Giovanni
VOR/UNO