Contra quem se dirigiram os protestos de junho?

por Luiz Flávio Gomes

A 114ª pesquisa do CNT/MDA (julho de 2013) revelou o seguinte: contra os políticos em geral: 49,7%; contra o sistema político: 21%; contra a presidente da República: 15,9%; contra governadores e prefeitos: 5,9%; contra deputados e senadores: 2,1%; contra o judiciário: 1,6%. Ou seja: contra as barbáries dos poderes instituídos, da ineficiência dos serviços públicos, da corrupção dos políticos e governantes (para a população, 81% dos partidos políticos são corruptos, consoante pesquisa do Ibope), da morosidade da Justiça etc.

Os detentores do poder, no nosso País, não podem mais ignorar que todas as pessoas poderosas dão o tom moral da sociedade; eles criam pautas e expectativas de comportamento; são eles que definem o que é proibido e o que é permitido. Não podem desconsiderar (como enfatiza Gomá Lanzón, Ejemplaridad publica, p. 262) que eles são fontes da moralidade social. Eles governam produzindo leis e sentenças, mas também produzindo costumes.

Os políticos não são apenas o que eles fazem, sim, também o que eles revelam em termos de moralidade e exemplaridade. Deles se exige um plus de responsabilidade. Aliás, é a exemplaridade muito mais profunda que a coação legal, porque esta afeta somente a liberdade externa dos cidadãos. O que é ensinado pelas autoridades em termos de ética e de moral bate fundo no coração de cada cidadão. Os protestos de junho, antes de tudo, são protestos contra a corrupção generalizada do poder público e, consequentemente, do poder econômico (que é corruptor) (o primeiro motivo da indignação é a corrupção, diz pesquisa da CNT/MDA).

Os protestos alcançam outro alvo?

Sim. Por detrás de tudo está a injustiça gerada pelos excessos do capitalismo neoliberal e neoescravagista (que destrói empregos, a natureza, vidas humanas). Essa injustiça, mais o mau-caratismo (falta de ética) de boa parcela dos que atuam em nome do Estado ou se relacionam com ele (com a res publica), são causas de profunda indignação. Se pudéssemos resumir tudo em poucas palavras diríamos (com Acemoglu e Robinson): os protestos são contra as “elites extrativistas” (corruptas, parasitárias, gananciosas, ineficientes etc.).

Essas elites extrativistas (desde 1.500) não pensam em outra coisa senão nos seus interesses pessoais. Usam o direito (de exceção) para preservarem seus privilégios (de classe). Desfrutam de benefícios torpes e injustos dentro da lei, porque são eles que fazem as leis (para eles mesmos, evidentemente). A voz das ruas, no entanto, querem mais: querem exemplaridade! Se os donos dos poderes (fáticos e jurídicos) fossem exemplares, precisaríamos de poucas leis. Onde existem muitas leis faltam costumes cívicos (honorabilidade, honestidade, exemplaridade).

Como se explica a produção epidêmica de leis severas?

A proliferação de leis no campo penal, especialmente no que diz respeito à corrupção, é fruto dos péssimos exemplos das próprias autoridades. “Onde se promulgam muitas leis, existem poucos exemplos” (Saint-Just). Os administradores e políticos são pessoas que nos proporcionam coisas positivas, mas também indecentes exemplos (uso indevido de aviões, abuso dos privilégios etc.). A lógica é a seguinte: “A imoralidade dos governantes difunde um exemplo negativo que logo eles mesmos se ocupam de reprimir mediante leis mais severas e restritivas das liberdades” (Gomá Lanzón, p. 263).

Luiz Flávio Gomes, jurista e coeditor do portal atualidades do direito.
ai/UNO