
Neste dias que nos aproximam de mais um período eleitoral (ou de mais uma campanha eleitoral), já iniciada por alguns, recordo da música "Disparada" de Geraldo Vandré e Théo de Barros, sublimimente cantada por Jair Rodrigues no Festival de Música da Record em 1966, que dividiu o prêmio de melhor canção ao lado de "A Banda" de Chico Buarque. Conta a história, que o próprio Chico Buarque não aceitou o prêmio e queria insistentemente que a música de Vandré fosse a vencedora. Por fim, dividiram o 1o. lugar.

Chama-me a atenção que passados quase 50 anos desde a ditadura e, em outro contexto, ainda temos os tais donos de "boiadas" e incrivelmente eles se multiplicaram. A música de Vandré foi tão significante naqueles dias- como ainda é hoje para este tempo. A antiga boiada de Vandré tornou-se o "admirável gado novo" de Zé Ramalho. Novo mas, não tão diferente. Pela visão dos políticos ainda "somos os mesmos e vivemos como nossos pais".
A luta daquela juventude dos "anos dourados" era impressionante. É Inspiradora a forma como driblavam a ditadura com seus poemas, músicas e versos. E hoje o que temos feito? Onde está a força do nosso voto? Acaso somos todos uma boaiada? Marcados como propriedade de alguém? Um colegiado?
A música "Disparada" segue o estilo de Vandré, a exemplo de enfrentar "Canhões com Flores", ele não tinha interesse de convocar o povo à luta contra a ditadura militar, nem pelo sentimento nacionalista ou pelo socialismo que era moda na época. Geraldo Vandré queria mesmo dizer que não se associaria a qualquer extrema. E deixa isso claro na música quando diz que "pegaria a sua viola, não iria se desculpar e iria cantar noutro lugar". Pois dependia apenas de sí mesmo naquele “reino” formado pela mídia submissa ao poder da ditadura militar.
No fundo o que Vandré queria era despertar as pessoas para um Individualismo Consciente. E que pudessem compreender quem somos historicamente. Mesmo não podendo fazer muito mas, que pudessem resistir intelectualmente. Uma resistência Intelectual!
Infelizmente não há muita resistência em nossos dias. Sempre aceitamos as coisas como são e neste momento precisamos aplaudir com mãos erguidas aos jovens de Brasília, agredidos por militares e alguns pisoteados pelos cavalos e seus cavaleiros num grito de basta que não cessava, o grito da indignação que fez cair a corrupção "violenta" no Distrito Federal do Governo Arruda.
Que estas eleições sejam do voto da boiada que aprendeu pelos anos vividos a ter laço firme e braço forte… vote consciente. E que não seja somente consciente sabendo em quem vai votar. Mas pergunte a si mesmo: Votando causo mudanças?
Infelizmente muitos políticos tratam a gente como boiada. Mas com gente é diferente.
Acredito que ainda falta-nos o sentimento de querer mudanças e, com a mesma garra dos poetas dos aos 60-70 decidirmos o futuro da nossa gente.
Para quem deseja recordar é só assistir o vídeo abaixo. Quando era garoto achava que era um chicote. Eles pegaram a platéia de surpresa ao usar uma queixada de Burro. Também fiz uma análise sobre a letra da toada-galope de Geraldo Vandré e Théo Barros interpretada por brilhantemente Jair Rodrigues. A música é um dos protestos mais inteligentes que já vi.
[youtube:https://www.youtube.com/watch?v=AkghEx3g6wI]
I
Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão… eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar…
*E de fato Geraldo Vandré tinha passado aquele ano viajando pelo nordeste. E na volta encontrou tudo fora de lugar. Logo vem o aviso de que o que ele vai dizer pode não agradar.
II
Aprendi a dizer não; Ver a morte sem chorar..
E a morte, o destino, tudo
A morte, o destino, tudo estava fora do lugar
Eu vivo pra consertar…
*Quero mudar as coisas vou mudar as coisas. A morte, o destino e tudo está fora de lugar. Aqui o "não" é a palavra. Aprendi a dizer "não" indicava que não aceitaria a ditadura.
Os militares tinham tomado o poder. Vale lembrar que Geraldo compôs este poema em meio a uma situação de convulsão social e política no Brasil; viver para consertar pode ser compreendido sob dois prismas – ser “pau para toda obra”, trabalhador braçal mesmo, ou então ser alguém com alguma consciência (para si) e sabedor das mazelas em torno sempre se dispõe a mudar o mundo.
III
Na boiada já fui boi mas um dia me montei
Não por um motivo meu ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu…
*Quer dizer que foi como todo mundo… a plebe. Mas, subiu na vida (à exemplo dos políticos e militares da época). Não porque quis isso ou planejou. Mas foi uma necessidade pois o "vaqueiro morreu". Podendo querer referir-se aos militares da época desde soldados, cabos a generais.
*O “Vaqueiro que morreu” na Disparada era o Getúlio Vargas, que havia pago à nossa primeira dívida externa contraida junto ao sionismo britânico. Quando o sucessor, JK, subiu ao poder, logo em seguida pediu vultuosos empréstimos ao sionismo americano, ou seja, o Brasil ficou Independente nas mãos do Getúlio e tornou a ficar dependente logo após pelas mãos do Kubitscheck. Por olhar a encrenca e pular fora, Jânio não foi citado será citado, ainda.
*Boiada é uma metáfora para o povo.
IV
Boiadeiro muito tempo laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente pela vida segurei
Seguia como num sonho e boiadeiro era um rei…
*A mão dura da ditadura e a força da polícia fazia com que andassem como reis. O boiadeiro vira rei quando sai da sua condição de “Ser-boi”, tomando as rédeas dos demais como fizeram os militares à força a pedido de um fazendeiro (O Governo).
V
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando as visões se clareando
As visões se clareando… Até que um dia acordei…
*Esperava que os militares acordassem. Não os generais… os soldados.
VI
Então não pude seguir Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata mas com gente é diferente…
*Porque gado a gente engorda e mata mas com gente é diferente…
VII
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto pra enganar vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado vou cantar noutro lugar
*De novo a decisão de Vandré … não iria se desculpar… iria cantar noutro lugar. Morou muitos anos na França exilado.
VIII
Na boiada já fui boi; Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu… Querer mais longe que eu
IX
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte num reino que não tem rei
*Nestas últiimas linhas Vandré afirma que, já que havia montando, agora era cavaleiro e não reconhecia o governo militar. Afirma isto quando diz : Num reino que não tem rei, ou seja, um presidente civil.
E parafraseando a música : E já que um dia tirei o título… agora sou eleitor.
Sobre a Música
A disputa foi naquele festival de 1966 da TV Record, entre "A banda" de Chico Buarque e “Disparada” de Geraldo Vandré e Théo Barros. Depois de quase 40 anos ainda paira uma polêmica sobre quem ganhou mesmo aquele festival. Seria difícil dizer qual era a melhor, dada a qualidade e a originalidade das composições. Esta pergunta nunca será respondida. Sem dúvida, a questão nunca saiu de pauta. Além do mais era um tempo em que compositores defendiam suas canções com unhas e dentes, e seus respectivos intérpretes as defendiam como se lhes custasse uma vida inteira.
Chico Buarque de Hollanda, era estreante e resolveu se inscrever novamente naquele ano com uma marchinha lírica e candente — A Banda — no festival da canção da TV Record de 1966. Para defendê-la, escolheu Nara Leão, que já era conhecida como musa da bossa-nova. A produção do festival realmente investiu em Chico, que, parecia, ia pela contramão das canções de protesto que estavam na moda. No fim da primeira fase, era certo que “A Banda” estava na disputa. O concorrente, porém era fortíssimo: a toada-galope “Disparada”, de Geraldo Vandré.
Seguido de uma esperança sem fim, Vandré viajou naquele ano pelo nordeste levando a reboque Airto Moreira (do Sambalanço Trio), o violonista e baixista Théo de Barros e o guitarrista Heraldo, que formaram o Trio Novo. Durante a viagem ele teve a idéia de escrever um longo poema sobre um vaqueiro que foi boi e que, um dia, “se montou”. Certo do poder de “Disparada”, Vandré mostrou o poema a Théo, que fez a música. Tiveram tempo de inscrevê-la no II Festival. Ambos sabiam do poder daquela melodia e foi com esse espírito que o grupo empreendeu verdadeira epopéia para concretizar o sonho de cantá-la no Festival.
Conseguir a sonoridade ideal para “Disparada” se transformou em tarefa difícil. Vandré queria ruído de chicote na música. Tentaram com barras de madeira, mas não soou como ele queria. Então tiveram a idéia de usar uma queixada de burro. Onde encontrar? Acharam uma nas mãos de um músico de Santo André. Tentaram alugar o “instrumento”, mas o homem só aceitava se ele tocasse a queixada. Para levar, tiveram que comprar a tal queixada, que seria tocada por Airto. Zuza Homem conta que a queixada fez sucesso: era incrível como um instrumento sem ressonância (a “ressonância” ficava por conta dos dentes frouxos da queixada) pudesse fazer um som tão alto. A segunda tarefa: encontrar um intérprete convincente.
Jair Rodrigues era conhecido como o parceiro de Elis em O Fino da Bossa e acreditavam que ele fosse apenas um sambista nato. Nos bastidores a produção sabia, porém, que Jair era um rapaz do interior, e que até ensaiava algumas modas de viola. Foi então que sugeriram seu nome para cantar “Disparada”. No começo, foi difícil fazer com que Jair fosse o escolhido. Era Vandré quem queria cantar. Solano Ribeiro insistiu: queria um cantor. “Quem?”, perguntou o compositor. Falou em Jair. Geraldo nem quis saber. Disse que ele era sambista, e não tinha nada a ver. Solano insistiu. Então Vandré e Théo foram pessoalmente falar com ele. Ambos exigiram que Jair cantasse a música consternado e sério. Para quem conhecia Jair cantando “Menino das Laranjas”, foi difícil acreditar que era ele, seríssimo nos ensaios, a declamar a primeira parte, concentrado: “Prepare o seu coração/Para as coisas que eu vou cantar/Eu venho lá do sertão/Eu venho lá do sertão/E posso não lhe agradar”.
A performance de Jair Rodrigues também surpreendeu a platéia, acompanhado pelo Trio Maraya e o Quarteto Novo, com Hermeto Pascoal de pianista, Théo de Barros na viola e Airto na percussão com a famosa queixada de burro ao lado de Jair. Nas finais, a preferência do público se dividiu de maneira ruidosa com a canção de Geraldo Vandré.
Nunca duas canções haviam dividido tanta opinião entre gente tão diversa. A discussão aparecia em todos os lugares : ônubus, nas ruas, restaurantes, bondes, na frente da tevê, nas casas, choviam bookmakers sobre quem seria o vencedor. No Paramount, as torcidas ensaiavam um conflito aberto. Nara e Jair interpretaram suas respectivas músicas. Em seguida, o júri se reuniu numa pequena sala para votar. Eram onze homens nervosos. Sete ficaram com “A Banda”, quatro com “Disparada”. Quando todos iam comunicar o resultado, receberam um recado de Chico: se ele fosse o escolhido, iria se recusar a receber o primeiro lugar sozinho.
Ele não sabia se ganharia o 1o. Lugar, mas de antemão não queria ser o único vencedor do Festival. Inclusive, Chico gostava da sofisticação de “Disparada” e entendia perfeitamente o entusiasmo do público com a música. Todos estremeceram. Até porque a platéia viria abaixo ao saber do resultado da verdadeira decisão do júri. Pior: Chico ameaçou tomar ele próprio a decisão diante de todos, mesmo que fosse parecer um ato demagógico. Na parede, os onze decidiram reconsiderar o resultado. Afinal, o que são três votos? E o público não entendeu quando Chico Buarque sorriu ao ser anunciado o empate. Independente de qual fosse o resultado, a decisão do compositor o colocou no primeiro lugar junto com Vandré.
O fato curioso fica por conta de Chico exigir o empate, por acreditar na superioridade da canção de Vandré. Chico foi interpelado a respeito da decisão do júri. Ele apenas disse: “O júri que decida o que quiser”. Se ele fosse escolhido o vencedor, desistiria do prêmio no palco. Sua demonstração de altruísmo e reconhecimento da qualidade musical de “Disparada” justificou a vitória de ambos.
Há muitas histórias sobre Geraldo Vandré. A verdade é quem conversa com ele nota problemas físicos e psicológicos. Provavelmente em função das terríveis torturas durante a época da ditadura. Uma perda para a MPB.
por Mauro Queiroz
Diretor de Conteúdo dos Portais 24 Horas
contato@mauroqueiroz.com.br